O LÍDER
Se a Brasília do final dos anos 70, começo dos 80, tivesse de ser definida em uma só palavra, a mais adequada seria "tédio".
Se a Brasília do final dos anos 70, começo dos 80, tivesse de ser definida em uma só palavra, a mais adequada seria "tédio".
Principalmente para os jovens. Ainda em plena ditadura militar, a cidade construída no meio do árido Planalto Central oferecia poucas, muito poucas mesmo, opções de entretenimento. A solução para a rapaziada se divertir era formar grupos, fazer festas, ou seja, aglutinar pessoas. E Renato Russo, a princípio um cara estranho, que andava de camisa social, capa preta e com um guarda-chuva na mão, era o aglutinador. Como ele costumava dizer, gostava de "tchurmas". "Desde pequeno eu era ligado em filmes de tchurmas e, aí, armei uma. Eu era muito pentelho, juntava as pessoas, era uma espécie de catalisador... Insistia muito nisso", definiu-se o cantor, em entrevista à BIZZ, em maio de 1989. Mas não pense que o poeta era um simples agitador cultural ou coisa parecida... Renato e a turma eram punks. Muito influenciados pelo lado filosófico-político do termo, que naquela época bagunçava o tradicional coreto britânico, eles se reuniam diariamente. Ico Ouro-Preto (irmão de Dinho Ouro-Preto), guitarrista da fase final do Aborto Elétrico e integrante da turma, atualmente fotógrafo de moda, há oito anos baseado em Paris, lembra dessa fase.
"Éramos 25 ou 30 pessoas mais ou menos da mesma idade e de meios muito diferentes. Como eu, alguns eram filhos de diplomatas, que tinham acesso a discos e livros lançados lá fora. Isso era muito raro naquela época. Então nos reuníamos para tocar violão, ouvir discos do Clash, do Sham 69 e, principalmente, conversar. Ah, sim, penetrávamos em bando nas festinhas caretas também." Desse grupo, que chegou a ser chamado de Movimento Punk de Brasília, participavam - além de Renato, Ico e Dinho Ouro-Preto - Fê Lemos e seu irmão Flávio, ambos ex-Aborto Elétrico e hoje também ex-Capital Inicial; Dado Villa-Lobos, na época guitarrista do grupo Dado & O Reino Animal; Marcelo Bonfá; Loro Jones, atualmente também ex-Capital; Paraná (o primeiro guitarrista do Legião); Bi Ribeiro, baixista do Paralamas do Sucesso; e muitas jovens. "As meninas eram ótimas... Eu adorava todas elas. Tinha a Carla, a Ana, a Cris, a Helena... Éramos todos amigos. Rolavam coisas naturais e banais de adolescentes que descobriam as drogas e o sexo naquele momento", lembra Dado Villa-Lobos. Paraná também sente saudade daquela época. "Naquele tempo, o sujeito ou era hippie ou era playboy. Nós quebramos essa regra. A maioria andava desleixada, usava calças rasgadas... Me lembro que o Bi tinha um cabelo enorme, parecia um tufo de algodão com uns 30 centímetros de altura. Queríamos chocar e chocamos. Nesse momento, começamos a virar lenda em Brasília."
"Éramos 25 ou 30 pessoas mais ou menos da mesma idade e de meios muito diferentes. Como eu, alguns eram filhos de diplomatas, que tinham acesso a discos e livros lançados lá fora. Isso era muito raro naquela época. Então nos reuníamos para tocar violão, ouvir discos do Clash, do Sham 69 e, principalmente, conversar. Ah, sim, penetrávamos em bando nas festinhas caretas também." Desse grupo, que chegou a ser chamado de Movimento Punk de Brasília, participavam - além de Renato, Ico e Dinho Ouro-Preto - Fê Lemos e seu irmão Flávio, ambos ex-Aborto Elétrico e hoje também ex-Capital Inicial; Dado Villa-Lobos, na época guitarrista do grupo Dado & O Reino Animal; Marcelo Bonfá; Loro Jones, atualmente também ex-Capital; Paraná (o primeiro guitarrista do Legião); Bi Ribeiro, baixista do Paralamas do Sucesso; e muitas jovens. "As meninas eram ótimas... Eu adorava todas elas. Tinha a Carla, a Ana, a Cris, a Helena... Éramos todos amigos. Rolavam coisas naturais e banais de adolescentes que descobriam as drogas e o sexo naquele momento", lembra Dado Villa-Lobos. Paraná também sente saudade daquela época. "Naquele tempo, o sujeito ou era hippie ou era playboy. Nós quebramos essa regra. A maioria andava desleixada, usava calças rasgadas... Me lembro que o Bi tinha um cabelo enorme, parecia um tufo de algodão com uns 30 centímetros de altura. Queríamos chocar e chocamos. Nesse momento, começamos a virar lenda em Brasília."
Grampos na boca
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Pai de Todos
Durante as reuniões da "tchurma", além de ouvir discos de punk rock, conversava-se muito. Noites inteiras só de papo. E era nessas conversas que Renato se destacava. Com habilidade para usar as palavras, ele chamava a atenção do grupo. "O Renato começava a falar e num determinado momento estava todo mundo sentado no chão ouvindo. Era impressionante", lembra Paraná. "Ele tinha uma personalidade fortíssima. Às vezes chegava até a ter alguns poblemas com o pessoal, principalmente com o Fê (Lemos), que também não era fácil. Mas o discurso do Renato sempre acabava prevalecendo", diz Ico.
Indivíduo competente
Renato tinha também um talento musical fora do comum, reconhecido e aplaudido pela turma. Naquela época, mais ou menos 1982, depois do sucesso local do Aborto Elétrico, a primeira banda punk de Brasília, formada inicialmente por Renato (baixo e voz), Fê Lemos (bateria) e André Pretorius (guitarra), o grupo de moleques já se dividia em várias bandas de rock: Legião Urbana, Capital Inicial, Blitx 64, XXX, Plebe Rude, entre outras. Esses grupos interagiam entre si e Renato era visto como o garoto-prodígio do pedaço. Logo após o fim do Aborto, ele fez algumas apresentações solo, só com voz e violão. O estilo folk-urbano, que depois o consagraria, nascia ali.
"A maioria das músicas eram concebidas no violão", conta Ico Ouro-Preto, que teve uma breve passagem pela Legião, entre a saída de Paraná e a entrada de Dado. "Passamos uma fase tocando violão na minha casa e depois ensaiando na casa do Renato. Ele freqüentemente chegava com as músicas prontas de cabo a rabo. A gente só mexia nos arranjos, dava um palpite aqui outro ali...", completa Ico. "O Renato normalmente mostrava uma capacidade incrível para compor, nos surpreendia com lances absolutamente geniais", conta Paraná.
Desde sempre Renato Russo foi um compositor brilhante. "Dado, Viciado" (incluída recentemente no último CD da Legião, Uma Outra Estação), "Química", "A Dança", "Faroeste Caboclo", "Conexão Amazônica" e "Eduardo E Mônica" eram algumas músicas do seu repertório daquela fase. "Quando inscrevemos ‘Química’ num festival promovido por um colégio, a música não passou nem na primeira triagem. Imagino que os diretores da escola tenham achado a letra um pouco ofensiva...", ri Paraná. Outra curiosidade da época era a (con)fusão entre "Faroeste Caboclo" e "Fátima", do Capital Inicial. "Renato cantava ‘Faroeste’ com a letra de ‘Fátima’ e o Capital fazia o inverso. Dá pra imaginar? Depois as coisas foram acertadas", conta Ico.
"A maioria das músicas eram concebidas no violão", conta Ico Ouro-Preto, que teve uma breve passagem pela Legião, entre a saída de Paraná e a entrada de Dado. "Passamos uma fase tocando violão na minha casa e depois ensaiando na casa do Renato. Ele freqüentemente chegava com as músicas prontas de cabo a rabo. A gente só mexia nos arranjos, dava um palpite aqui outro ali...", completa Ico. "O Renato normalmente mostrava uma capacidade incrível para compor, nos surpreendia com lances absolutamente geniais", conta Paraná.
Desde sempre Renato Russo foi um compositor brilhante. "Dado, Viciado" (incluída recentemente no último CD da Legião, Uma Outra Estação), "Química", "A Dança", "Faroeste Caboclo", "Conexão Amazônica" e "Eduardo E Mônica" eram algumas músicas do seu repertório daquela fase. "Quando inscrevemos ‘Química’ num festival promovido por um colégio, a música não passou nem na primeira triagem. Imagino que os diretores da escola tenham achado a letra um pouco ofensiva...", ri Paraná. Outra curiosidade da época era a (con)fusão entre "Faroeste Caboclo" e "Fátima", do Capital Inicial. "Renato cantava ‘Faroeste’ com a letra de ‘Fátima’ e o Capital fazia o inverso. Dá pra imaginar? Depois as coisas foram acertadas", conta Ico.
Patinho feio
Embora tivesse talento e a admiração de todos que o cercavam, Renato era uma cara depressivo. "Eu só fui feliz na infância", disse ele à sua mãe, momentos antes de morrer. Um dos motivos disso era que Renato se achava o feio no meio de um grupo formado, na sua maioria, por jovens bonitos. Franzino e meio desengonçado, ele não aceitava sua aparência. "Era uma situação bem difícil. Todo mundo gostava dele, mas ele tinha esse complexo. Se achava o patinho feio da turma", revela Ico. E soltava sua insatisfação toda vez que bebia. "Ele era meio temperamental... Mas isso aumentava muito quando tomava umas e outras nas festas... Aí, qualquer coisinha o irritava", lembra Paraná. Por várias vezes, Renato saiu mais cedo das tais festinhas e voltou sozinho e a pé para casa. Andava quilômetros e quilômetros nas místicas madrugadas do Planalto Central. Sabe-se lá o que se passava pela cabeça dele. Provavelmente, entre outros assuntos, Renato já se atormentava com questões relativas à sua sexualidade, questão que só resolveu mesmo quase dez anos depois, em 1990, quando foi "sair do armário" nos EUA. "Eu precisava me assumir há muito tempo... Mas fica aquela coisa, filho de católico, ‘você é doente’ etc., etc. No meio do caminho já estava pensando: ‘Pô, eu sou um cara legal, eu não posso ser doente..’ Eu sou assim desde que eu me lembro, desde os 3, 4 anos. Eu sempre gostei de meninos...", disse, em entrevista a José Augusto Lemos, na BIZZ.
Porre revelador
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Embora Ico e Renato tivessem o interesse pela astrologia em comum, o principal motivo de terem reestabelecido o contato foi outro: Ico conheceu o maior ídolo de Renato nos anos 80. "Ele ficou maravilhado quando soube que eu tinha feito uma sessão de fotos com o Morrissey", lembra o fotógrafo. "Me ligou querendo saber todos os detalhes", conclui.
De fã para ídolo
Depois que os Paralamas do Sucesso foram tocar na antiga capital (o Rio) e aconteceram com "Vital e Sua Moto", a Legião, já com Dado, pegou a mesma estrada e também saiu de Brasília. O sucesso não demorou a vir e então, sutilmente, foi acontecendo a metamorfose de Renato. "No começo, nós tínhamos uma banda cujo objetivo principal era tocar ao vivo. Aí, pintou gravadora, um monte de compromissos, as coisas mudaram muito e a gente ficou em função do trabalho. O espírito inicial se perdeu. É inevitável, as pessoas acabam mudando muito com a fama...", atesta Dado Villa-Lobos. Renato Russo, aquele garoto que seguia a fio a doutrina punk pregada pelos Sex Pistols, passou a ver as suas frases de efeito repecurtirem, viu também seus amigos saírem de Brasília, fazer sucesso com suas bandas e constatou à distância que a "tchurma" que tanto fez para aglutinar, enfim, havia se dissolvido.
O Planalto Central se transformou numa grande garagem onde se via uma banda em cada esquina e a minoria virou maioria. Mesmo de longe, a lenda de Renato era uma espécie de exemplo para toda aquela geração de novas bandas. Hoje, um ano após a sua morte e muitos anos desde que deixou Brasília, a "tchurma" já é história e muitos de seus integrantes assumiram empregos normais, como é o caso de André Muller, ex-baixista da Plebe Rude, atualmente trabalhando para o Banco Central. Fica a lembrança. "Sinto saudade por ter sido um época mais livre em que acreditávamos em grandes ideais. Éramos só uns garotos que tinham algo em comum. E o Renato foi o cara que proporcionou tudo isso", agradece Dado Villa-Lobos.
O Planalto Central se transformou numa grande garagem onde se via uma banda em cada esquina e a minoria virou maioria. Mesmo de longe, a lenda de Renato era uma espécie de exemplo para toda aquela geração de novas bandas. Hoje, um ano após a sua morte e muitos anos desde que deixou Brasília, a "tchurma" já é história e muitos de seus integrantes assumiram empregos normais, como é o caso de André Muller, ex-baixista da Plebe Rude, atualmente trabalhando para o Banco Central. Fica a lembrança. "Sinto saudade por ter sido um época mais livre em que acreditávamos em grandes ideais. Éramos só uns garotos que tinham algo em comum. E o Renato foi o cara que proporcionou tudo isso", agradece Dado Villa-Lobos.
Interessantíssimo .Muito bom.
ResponderExcluirAinda mais para um fã .
Se puder publica mais sobre a Legião.
obrigado.abraço.