segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Bizz número zero - Baratos Afins

BARATOS AFINS

    São Paulo, Grandes Galerias. Você entra ou pela av. São João, 439, ou pela r. 24 de maio, 62. Uma verdadeira colméia de lojinhas carregadas debugigangas made in Hong Kong, pedras semipreciosas, equipamento para silk screen, cabeleireiros especializados em corte black power e trancinhas afro.
    O mais importante é que, uma vez lá dentro, se você quiser, pode passar horas escolhendo discos e participando de fervorosos debates sobre a história do rocknroll.

    Este santuário do consumismo esconde várias lojas de discos que, pela abrangência de seu estoque, transformaram a galeria em um dos mais tradicionais pontos de encontro dos roqueiros da cidade.
    Dessas lojas, uma não se contentou com os discos oferecidos pelo mercado e resolveu criar seu próprio selo. Por isso, atenção: você pode entrar numa loja e estar ao mesmo tempo dentro de uma gravadora independente.
    Iniciativa das mais corajosas, num circuito quase que totalmente ocupado pelos grandes selos internacionais, a Baratos Afins já registra em seu catálogo uma série de momentos históricos do rock brasileiro. E tem mais: constitui hoje a única trincheira fonográfica das novas bandas paulistanas, que podem ainda desfrutar do luxo de lazer seu disco com sua própria concepção de produção em estúdio.
    Mas essa garra e heroísmo estão ameaçados. Por problemas financeiros e empresariais, a Baratos vem sofrendo sua maior crise.

    Refúgio defensor
    Luiz Carlos Calanca, cheio da onda da discothèque, resolveu em 1978 abrir uma loja de discos para pessoas que se sentissem no mesmo barco. O sucesso foi instantâneo, reforçado pelo mítico status adquirido pela loja, o de refúgio defensor do rock".
    Três anos depois, com a loja já ampliada e concorrentes seguindo o mesmo molde, Luiz decidiu atacar também na produção de discos. Uma decisão desencadeada por sua experiência com discos usados. Sabia que raridades fora de catálogo eram disputadas a tapa nos sebos da cidade. Mutantes e Arnaldo Baptista na cabeça.
    "Uma obra-prima do rock nacional", Luiz refere-se a Loki?, primeiro disco solo de Arnaldo. Ele não está sozinho em seu veredito. Disco originalmente lançado pela Polygram em 74, teve relançamento atrasado por problemas com essa gravadora. Luiz acabou soltando antes, em produção própria, Singin Alone, também do ex-Mutante.
    As exigências legais necessárias - abertura de uma firma e criação de um selo - fizeram Luiz assumir a aventura. Em novembro de 82, a Baratos tinha em suas prateleiras o grupo Patrulha do Espaço, um reduto do hard rock. Um ano depois o catálogo engordava. Ganhava o relançamento de Mutantes e seus Cometas no País dos Baurets (Polygram, 72) e a estréia da banda Mixto Quente.
    "E um compromisso. O pessoal tá todo aí e precisa de uma força que as gravadoras não dão", afirma Luiz. Hoje, a nova geração do rock paulista constitui o grosso de seu catálogo. Uma safra variada, num espectro que vai do rockabilly ao heavy metal. A coletânea SP Metal- que reúne as bandas Vírus, Avenger, Salário Mínimo e Centúrias - é o best-seller do selo, com três mil cópias vendidas e uma nova tiragem a caminho.
    A Baratos Afins editou também o primeiro LP brasileiro literalmente feito em casa, Tora! Tora! Tora! da hilariante Esquadrilha da Fumaça. Inteirinho gravado em um cassete de quatro canais em um apartamento improvisado como estúdio, o disco só custou a Luiz a prensagem.

    Problemas de circulação
    Cada lançamento tem normalmente uma tiragem de três mil cópias, prensadas de acordo com a saída, "por falta de espaço para guardar". A partir daí, a Baratos esbarra em seus grandes problemas: distribuição e divulgação.
    Segundo Luiz, a venda é feita para lojas no estilo da Baratos, "Antes a gente levava nas lojas e nas rádios, mas já sofremos muita humilhação. Não apoiam, jogam num canto e não ouvem."
    Este ano, Luiz pretendia separar a loja do selo e ampliar seu catálogo. Além de vários lançamentos, a reedição de outro clássico do underground nativo, Para Iluminar a Cidade de Jorge Mautner (Polygram, 72). Estes discos vão sair, mas talvez sejam os últimos. A Baratos está "paralisada".

    Sem grana não dá
    Partindo do pressuposto que um disco só começa a dar lucro a partir das primeiras três mil cópias vendidas, só mesmo o SP Metal valeu o investimento. Tanto que vem aí o SP Metal II, com mais quatro bandas: Abutre, Korsus, Performances e Santuários. Isso com uma primeira tiragem de cinco mil cópias.
    Nenhum mistério. Heavy metal vende mesmo, apesar de muita gente só ter descoberto isso agora. E o resto do catálogo da Baratos Afins, um total de dezenove discos que, daqui a alguns meses, será aumentado para vinte e três?
    Dois dos grupos lançados por Luiz, o Smack e os Voluntários da Pátria - ambos sintonizados com o soturno porém elegante minimalismo pós-punk - tiveram pelo menos sucesso de crítica. São reconhecidos como pontas-de-lança do novo rock brasileiro, para não tocar na palavra "vanguarda".
    É aí que entra o problema da divulgação e da distribuição. Centralizada na figura quixotesca de Luiz, a Baratos com certeza se ressente de uma estrutura empresarial. Que ele não sabe se virá:
    - Preciso dar uma parada, pensar bem, Estou muito confuso, de bode mesmo. Ou a Baratos pára, ou reestruturamos tudo... não sei.

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