segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Bizz número zero - Rita Lee - Titia, eu não estou com leucemia

RITA LEE - TITIA, EU NÃO ESTOU COM LEUCEMIA

    Enquanto o Brasil era tomado por uma enxurrada de roqueiros de primeira viagem, Rita Lee estava dando um tempo. "Criando galinha", como ela mesma diz nesta entrevista recolhida por José Augusto Lemos em um intervalo das gravações do novo LP de Rita, no estúdio da Sigla em São Paulo.

    Agora que chegou a hora de colocar um ponto final nesse exílio voluntário, ela passeia de um lado para o outro com seu conhecido sorriso moleque. Não parece nem um pouco preocupada com as inevitáveis pressões e expectativas acumuladas. Afinal, não estaria superpopulada a quadra dos Unidos do Rock Engraçadinho?
    "Não tenho nenhuma resposta para dar a nada, a ninguém... nem sinto a menor vontade de compor um Arrombou o Rock. Estou é aproveitando essa rara oportunidade de poder fazer um disco com tempo e calma."
    Bombom, seu último LP, foi feito, segundo ela, a toque de caixa, no mais impessoal esquema linha de montagem. Não fizeram muito mais que entregar as canções nas mãos dos produtores, arranjadores e músicos de estúdio contratados em Los Angeles. "Aproveitamos essa especialidade americana que é a eficiência, mas agora estamos pensando em finalizar a produção na Inglaterra, onde esse pessoal se preocupa muito mais com a criatividade."
    Um detalhe importante: a julgar pela técnica de composição utilizada por ela e o inseparável Roberto de Carvalho, vem aí um prato cheio de tecnorock explícito. Todas as bases foram montadas em blocos apenas pelo marido/guitarrista, auxiliado por um arsenal de teclados computadorizados (ver ficha técnica).
    Nenhum músico de estúdio na jogada. "Intervenções" no casulo eletrônico do casal ficarão por conta exclusiva de participações especialíssimas como os ex-Mutantes Liminha e Serginho Dias, e as baquetas do Paralama João Barone. Ex Mutantes? Perai. Seria algum revival? "Não, apenas releituras", ela rebate com uma risadinha Mestres do Suspense.
    Mutantes. O nome do grupo já diz tudo. Com toda aquela salada de teorias de comunicação de massa, arte pop e "linha evolutiva" que recheavam o tropicalismo, o trio primava pela absoluta falta de seriedade. Só que isso ocultava um grau de fino deboche, sátira e paródia que só os punks conseguiriam igualar. Entre outras estrepolias, fizeram, por volta de 67, com Chão de Estreias a mesma esculhambação que Sid Vicious faria com My Way em 78. Apesar do comprimento dos cabelos, os Mutantes nunca foram hippies, pelo menos na formação original Rita/Serginho/Arnaldo. Mas, para ela, qualquer consideração sobre o pioneirismo do trio se apaga com as lembranças da total falta de profissionalismo: "Estávamos mais interessados em curtir o máximo possível, sem nenhuma preocupação". Saudades? "Não, foi um tempo que já passou", responde - agora bem séria - antes de acrescentar que não nutre nenhuma paixão pelo "lado empresarial do rock". Mais que desprezo, é aversão.
    Por essas e outras, Rita guarda péssimas recordações da maratona de shows que ela e Roberto fizeram, do Oiapoque ao Chuí, no verão 82/83. "Meu pai estava morrendo, acho que foi por isso que senti necessidade de me chapar... chapar através de um ritmo de trabalho desumano daqueles." Apenas uma lembrança bem-humorada: em certa cidade do Norte, chegaram a pensar que ela estava dublando em cima de playback por causa de seu microfone sem tio. "Foi um Projeto Rondon", arremata.
    E a tal nova geração do rock nativo? Rita conta que tem recebido visitas, no estúdio, do pessoal da Gang 90, Metrô, Degradée, feliz por ter sido tratada com a cumplicidade que se dedica a uma irmã mais velha - e não como a grande Titia simbólica pertencendo ao passado. Esse papo de "rainha do Rock Brasileiro" do qual ela nunca gostou muito: "Estou mais para a Risoleta do rock" Outra gargalhada.
    No mais, ela gosta de muitas das bandas recentes e está preparando, junto com Antônio Bivar, Marcelo Paiva e alguns amigos, um programa de rádio só para divulgar grupos inéditos. Bandas de garagem mesmo, que ela anda caçando tanto em redutos noturnos, como a Estação Madame Satã (o principal "porão" de São Paulo), quanto em cidades do Interior. Já institulado Rádio Amador, o programa ainda não se tornou realidade pela "falta de alguém com tarimba radiofônica para amarrar nossas loucuras e nosso amadorismo. Por enquanto está Rádio Amador demais".
    Mesmo com seu entusiasmo de irmã mais velha, ela acha "inevitável que o tempo dê uma boa peneirada na moçada, porque também tem algumas coisas que... aaargh!"
    No balanço final, Rita coloca como o grande ponto positivo de sua parada essa oportunidade de ouvir com atenção tudo que está surgido, tanto aqui como lá fora. Está apaixonada pelo Style Council e seu pop latino, o ex-purk Paul Weller compondo bossa-nova: "Acho demais, minha relação com a musica brasileira sempre foi mais bossa do que sambão". Dá "graças a Deus" pelos Eurythmics, o tecnocasal britânico (alguma identificação?). Exaltada, ela passa a disparar preferências: Prince ("ousadias mil"), o disco solo de Mick Jagger, Pretenders (essa, uma paixão mais antiga), Haircut 100, Frankie Goes to Hollywood ("pelo som da bateria"), Smiths nem tanto ("acho que fiquei meio indisposta com o surto de adoração generalizada").
    Muito bem. E o seu LP, Noviças do Vício? "Opa, peraí, esse talvez nem seja o título." Rocks, rockaços ou baladas aboleradas? "Tem uma baladona bem brega, Vítima, o resto é rock mesmo." A leva inclui Titia, Eu Não Estou Com Leucemia, para responder à boataria que varreu a imprensa um pouco antes e durante o Rock In Rio. O resto está trancado a sete chaves até que o disco seja lançado, entre junho e julho.

Ficha técnica

    Todas as bases das canções compostas para o novo LP de Rita e Roberto de Carvalho foram gravadas exclusivamente pelo guitarrista, munido de um circuito interligado - via MIDI, o interface para sintetizadores - de teclados computadorizados. O seqüenciador QXI da Yamaha controla e sincroniza todos eles: um JX3P da Roland, mais um DX1 e três DX7 da Yamaha. A "cozinha "fica a cargo de dois computadores rítmicos, um Dr. Flick e um LynnDrum II custam (isto é, adaptado segundo encomenda).
    Tudo isso conectado a uma mesa Boogie, somada a um Room Simulator AMS, para dar "acústica ambiental aos sons sintetizados digital ou analogicamente. A guitarra mais utilizada por Roberto é uma Fender Stratocaster, também custom.

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