sábado, 28 de agosto de 2010

Os anos 80 - parte 2

TECNOLOGIA

    Os anos 60 viram a volta ao campo e a atração pela vida ao ar livre regidas por prefeitos naturalistas. A década seguinte trouxe uma guinada na direção oposta, mirada em prazeres químicos, individualistas e urbanos. Já os anos 80 sofisticaram a fórmula da antiga Me Generation, abrigando um crescente encasulamentodo animal urbano, graças à popularização das tecnologias de comunicação e entretenimento.
    Os computadores de uso pessoal, os aparelhos de fac-símile e os bancos de dados públicos multiplicaram nossa capacidade de consumir e produzir informação. As telas de TV cresceram, os videocassetes passaram a oferecer melhores imagens e sons, e, como conseqüência, mais gente preferiu permanecer em casa, deixando os cinemas mais vazios. Os compact discs e a DAT (Digital Audio Tape) abriram os portões do som State of the art a multidões de audiófilos instantâneos, minaram a hegemonia das fitas pré-gravadas e dos LPs a ponto de quase decretarem a morte do vinil - existem lojas nos Estados Unidos que expulsaram de suas prateleiras as bolachas pretas. "Pirataria à vista", gritaram as gravadoras, quando entenderam que a comercialização em massa de fitas digitais virgens poderia causar uma febre indesejável (pela indústria de discos) de gravações caseiras a partir de CDs, diminuindo, assim, as vendas dos disquinhos. A Sony foi mais astuta e, para ter maior cacife na discussão, comprou a CBS Records.

    MÚSICA EM CASA - FAÇA VOCÊ MESMO
    Gravação caseira - este foi um dos passatempos mais quentes dos 80 e, dado o boom tecnológico nesse sentido, é de se prever o dia em que a grande maioria dos terráqueos preferirá fazer música a ouvir música.
    O gravador cassete de quatro canais - popularizado por marcas como Fostex, Tascam e Yamaha - tornou-se bloco de rascunho de compositores e produtores. Uma verdadeira revolução, já que permite a qualquer um ter acesso à técnica de gravação multipista em todas as etapas: da gravação de uma base, aos overdubs, à mixagem final para estéreo. Houve até quem gravasse LPs assim, no aconchego do lar - um exemplo notório é Nebraska, de Bruce Springsteen, e, no Brasil, ...Só Vive Duas Vezes e Três Lugares Diferentes, respectivamente segundo e terceiro LPs do grupo Fellini. Em 85, a Tascam deu outro salto à frente lançando seu cassete oito canais.
    A computadorização musical e as técnicas de gravação digital foram mais fundo na criação de aparelhos que chegaram a gerar até uma estética prÓpria. Pois o que seria da house music sem as seguintes engenhocas?

    Drum machine, o popular "beat box". Seqüenciador com sons de bateria e percussão que permitem a programação com variações para introdução, estrofe, refrão etc. Com sua TR808, a fábrica japonesa Roland deu a largada para uma série de modelos que se sucediam a cada ano. Com a entrada em cena do sampler, porém, está ameaçado de virar um brinquedo para amadores, já que os profissionais estão adotando sons de percussão sampleados e programados direto em seqüenciador, junto com outras frases melódicas e baixo.

    O Sampler (literalmente "amostrador") grava digitalmente qualquer som, que pode então ser editado, filtrado etc. e transferido para um teclado ou uma "pele" percutível. Foi a integração da música concreta ao pop, só que o que um compositor como Stockhausen demorava meses para editar - usando gilete e fita adesiva para manipular a fita magnética - hoje o sampler faz com o apertar de um botão.
   
    MIDI ou Musical Instruments Digital Interface é a nova linguagem, que permite o diálogo entre instrumentos digitais de diferentes marcas e modelos. Assim, uma só pessoa pode reger sua orquestra pessoal, em que um seqüenciador - ou um computador com um programa de seqüenciação - é o cérebro, transmitindo para cada sintetizador/sampler/computador rítmico as informações necessárias sobre onde, quando e o que tocar. Pode ser tenebroso ficar horas sentado só programando, mas depois é só dar ostart e se recostar na poltrona para ouvir sua banda robotizada executando sua última composição.
    Só um problema: se você é brasileiro, a Lei de Importação Nacional de Informática impede o acesso a estas maravilhas todas.

 VIDEOCLIP MTV

    A MÚSICA TEM IMAGEM
    Disseram que não ia dar certo. Que não havia chance de dar certo. Quem ia querer ver 24 horas de anúncios? Por que os tais videoclips - que nos anos 60 e 70 eram chamados promos - eram exatamente isso, não? Anúncios, peças de apoio na venda de discos. Mas, contrariando tudo e todos, no dia primeiro de agosto de 1981 entrou no ar a MTV, Music Television, o primeiro canal de TV (cabo) a transmitir exclusivamente vídeos musicais.
    A idéia não era nova - vários programas da TV americana já passavam clips - mas tinha um toque diabólico: a MTV vendia o que não chegava a comprar e cobrava (duas vezes, já que tinha assinantes e anunciantes) pela exibição do que recebia de graça (os clips).
    Nos nove anos seguintes, Ronald Reagan imperou na Casa Branca e a MTV mudou a face do business. Carreiras inteira foram construídas sobre seu apelo hipnótico - imaginar um universo com seu artista favorito ficou mais fácil depois de ver seu artista favorito no meio desse universo imaginário. Duran Duran, Madonna, INXS, Terence Trent D´Arby, a vertente pop/glam do metal estão entre os que mais tomaram partido disso. Nesta quase década, também, o próprio clip mudou: incorporando técnicas mistas do cinema, da publicidade, da animação, explorando os novos territórios da alta definição, da imagem computadorizada, o clip tornou-se uma entidade em si mesma, um objeto de consumo, uma forma de expressão que, muitas e muitas vezes, liberta-se do seu pretexto - a canção - e fala sozinha.



ESTILO

    A antítese da moda: quem tem estilo, não segue rebanhos. Nas palavras de Oscar Wilde: "Toda pessoa deveria ou ser uma obra de arte, ou vestir uma obra de arte." Este foi um dos preceitos básicos de uma década de entropia: colagens, alusões, citações, revivals e o reinado do look. No corte do cabelo de Grace Jones ou no colorido do sushi

    Foi uma década da pesada: dez anos inteiros de desilusão, desesperança e, absolutamente, nenhum futuro. Ainda bem que foi assim. Ninguém agüentava mais ouvir falar em sonhos, utopias e promessas de felicidade integral para o fim da história. Ninguém suportava mais ouvir dizer que os bons tempos passaram, que chegamos atrasados, que a festa terminou.
    Os anos 80 foram o império do presente, do efêmero, dos quinze minutos de fama ou de fracasso. Todo mundo teve que aprender a grande lição de Andy Warhol: ser pop é gostar de tudo. Tudo esteve na moda. Tudo virou moda. Nada foi levado a sério.
    Comidas, roupas, idéias: os anos 80 transformaram os mínimos detalhes e as máximas paixões de nossas vidas em "simples" questões de estilo. Tal situação tem suas vantagens: estilos não são verdadeiros ou falsos, não são sacerdÓcios, não exigem fidelidade eterna de quem os adota. Nenhuma outra década teve tanto(s) estilo(s).

    COMIDA

    Do dia para a noite, todo mundo passou a adorar peixe cru. O sushi foi o prato da década, para a alegria dos donos de restaurantes japoneses que antes alimentavam somente a colônia. Outras comidas étnicas, como a thai ou a mexicana, também tiveram seus instantes de glória no hit-parade culinário. Para competir com elas, do lado ocidental, só a frugalíssima porém elegantérrima nouvelle cuisine francesa. Pena que ainda é muito cara para se transformar num produto pop ideal.
   
    YOHJI YAMAMOTO E COMME DÊS GARÇONS
    Rei Kawakubo, da Comme de Garçons, e Yohji Yamamoto foram os estilistas que criaram o princípio de elegância mais estável dos anos 80. Você sabe do que se trata: aquela roupa preta, aparentemente pobre e de sensualidade enigmática, se é que existe algum vestígio de sensualidade. As criações japonesas invadiram as metrópoles de todo o mundo e acabaram por se firmar como o único uniforme da uma década que se caracterizou pelo seu inabalável horror a qualquer uniforme.

    JAPÃO

    Deve haver algum deus irônico presidindo a história da humanidade. Os Estados Unidos virtualmente detonaram o Japão no final da Segunda Guerra, inaugurando sobre Hiroshima e Nagasaki seu poderio nuclear. Pouco depois, num acesso de culpa tipicamente americano, pôs-se a reconstruir o país, emprestando dinheiro a troco de banana e abrindo as portas comerciais. Três décadas depois, a América deve rios de dinheiro ao Japão, as freeways estão abarrotadas de Hondas e Toyotas, yuppies e milionários do Império do Sol Nascente não se cansam de comprar terrenos na Califórnia. Sushi, karaokê, Sony-CBS, Comme des Garçons, HDTV: os japoneses atacaram em todas as frentes e quase reduziram todos os concorrentes a poeira. Nos anos 90, com o lançamento comercial da TV de alta definição e com o desenvolvimento da inteligência artificial, a totalidade do mercado eletrônico ameaça passar a ser monopólio do Japão e dos países asiáticos, como Coréia, Formosa e Cingapura, que descobriram as artimanhas da pirataria tecnolÓgica. A Europa Unificada e os Estados Unidos pós-Reagan vão ter que rebolar para competir com a voracidade oriental.

    JEAN-PAUL GAULTIER
    Os anos 80 não vão passar para a história como uma década original. Quase todo artista repetiu aquele manjado dito pop: tudo já foi criado, então tudo será recriado. Jean-Paul Gaultier não fez outra coisa além de transportar a moda de rua, principalmente as gracinhas londrinas, para as passarelas da alta-costura parisiense. Algumas de suas roupas são geniais, como aquela coleção dedicada aos "homens-objeto", onde Gaultier provou que é possível vestir uma saia e continuar a ser macho.

    B-BOY

    O sucesso do hip hop fez com que as mais conhecidas marcas esportivas passassem a ser consideradas o auge do chique. A dupla Run-DMC gravou toda uma música dedicada a Adidas. Outros cantaram sua preferência por produtos Nike, Puma, New Balance, Fila e até mesmo Gucci. Não confundir com merchandising: é somente amor, sem segundas intenções. O golpe de mestre do b-boy, o garoto do hip hop, foi ter inventado uma outra maneira de se vestir cool a partir da roupa mais banal.

    GRACE JONES

    Que os branquelos que imitam Brian Ferry me perdoem mas o corte de cabelo dos anos 80 foi mesmo o de Grace Jones. Nada pode ser mais simples, nada pode ser mais prático e nada pode ser mais esteticamente adequado. Miss Grace The Rhythm, assessorada por seu então namorado Jean-Paul Goude, divulgou o unissex black e foi seguida pelas massas. Hoje, os b-boys acrescentam ao corte Jones desenhos cada vez mais complexos feitos com máquina de raspar. Ser reco nunca foi tão divertido.

    REVIVAL
    Os anos 80 não ignoraram as décadas passadas. Pelo contrário, os anos 20, 30, 40, 50, 60, entre outros, foram homenageados com inúmeros revivals. A "volta" mais estranha foi a da década de 70. Quando ninguém esperava, a medonha pantalona reconquistou todas as vitrines. Mas não foram só as roupas que voltaram. Teve o revival "rare groove" do funk dos anos 70, o revival "daquele timbre de guitarra" dos anos 60, o revival do LSD, o revival dos mÓveis anos 50. Já teve até a volta do início dos anos 80, isto é, um revival do revival do revival do... E o tempo não pára.




    PÓS-MODERNO
    Dizem que a pós-modernidade foi uma invenção de escritores e críticos norte-americanos dos anos 60. Não importa. Foi só nos anos 80 que o pós-moderno virou um fenômeno da massa. Apareceu de tudo: sabonetes pós-modernos, travesseiros pós-modernos, sorvetes pós-modernos. Qualquer objeto mais eclético era logo classificado na nova onda e vendia horrores para os desavisados. Símbolos máximos de nossa pós-década foram os móveis coloridos criados pelos italianos da Memphis. Hoje, este estilo de design já parece obra do mais remoto passado. Onde estamos? No pós-pós-tudo?

    INFORMÁTICA

    Pode parecer mentira, mas o pessoal dos anos 70 conseguia viver sem microcomputadores e sem cartões eletrônicos. O IBM-PC só foi lançado comercialmente em 81. Steve Jobs, um dos criadores do Apple (N. da R. - o micro que popularizou a informática), lançou o MacIntosh em 84 e hoje tenta emplacar o Next, computador que tornará obsoleto o equipamento de som e o videocassete. Os anos 80 criaram também a mais sofisticada forma de terrorismo: o vírus cibernético, principal personagem da odisséia cyberpunk, novo subgênero da ficção científica. William Gibson, o pai do cyberpunk, é o autor de Neuromancer, o livro da década.

    ZAP
    No princípio, zap foi o termo usado pelos profissionais de comunicação eletrônica para se referirem à manipulação das imagens, via controle remoto, pelos telespectadores. Depois a palavra foi contrabandeada para todas as áreas. Os anos 80 zapearam tudo: modos de vida, roupas, comidas, idéias. Se vários "canais" nos interessam, ao invés de escolher o melhor, preferimos ver todos eles ao mesmo tempo.

    HARD-TIMES
    Algum biólogo deveria estudar o aparecimento deste misterioso microorganismo que tem mania de atacar os jeans de nove em cada dez estrelas pop. Nenhuma outra década foi obrigada a conviver com tantas calças rasgadas no joelho. Tempos difíceis? Nem tanto. Madonna e George Michael ganham milhões de dólares e mesmo assim adoram andar por aí esfarrapados. Isto já é motivo suficiente para considerar o jeans furado como a peça de indumentária mais chique dos anos 80.

    PINTURA
    A década teve início em clima neo-expressionista. De repente, as grandes telas voltaram à moda e pintores surgidos do nada viraram celebridades instantâneas, tão glamourosas quanto os rock stars (alguma delas, como o alemão Salomé ou o nova-iorquino Robert Longo, tocavam também em bandas de rock). Os anos 80 chegam ao fim com a consagração do neo-geometrismo. Parece o oposto do neo-expressionismo mas não é. Tudo não passa de mais um modismo "neo".

    GRAFITE
    O grafite sofreu uma surpreendente metamorfose no decorrer da década: de caso policial para bem cultural, do submundo urbano para o museu de arte moderna. Os grafiteiros Jean-Michel Basquiat e Keith Haring começaram a ter suas obras expostas em todo o mundo. Basquiat virou pintor, não suportou a fama e morreu de uma overdose de heroína. Haring inaugurou uma loja onde vende camisetas com seus desenhos e enriqueceu.

    BRUCE WEBER
    Nos anos 80, nenhum outro fotógrafo foi tão influente como Bruce Weber. Seus trabalhos mais conhecidos, como as publicidades da Calvin Klein, foram copiados em todo o mundo. Weber, responsável pela transformação do homem em objeto erótico na fotografia de moda, terminou a década lançando seus filmes sobre o boxe e sobre a música de Chet Baker.

    CLONES
    Os anos 80 foram povoados por exércitos de Madonnas, exércitos de Boys George, exércitos de Morrisseys. O fã assumiu o visual de seu ídolo como se fosse sua propriedade. Morrissey fez um clip (outra palavra mágica da década) com seus clones. Madonna e Boy George infernizaram a vida de seus imitadores com mudanças constantes de estilo. Michael Jackson radicalizou a importância da aparência transformando seu próprio corpo numa escultura em mutação.



    ESPORTES
    O típico representante dos anos 80 passou centenas de horas de sua década em academias de ginástica e maratonas. Tanto que John Travolta trocou a discoteca de Saturday Night Fever pelas aulas de aeróbica de Perfect. A indústria de roupas, que não é boba, ganhou bilhões de dólares com o sportwear. Grande parte deste lucro foi para as marcas de surf, esporte que é a mais importante referência comportamental para a juventude planetária, ao lado da música pop.

    DROGAS
    Responda rápido: é a década que escolhe a droga ou a droga que escolhe a década? O que seria dos anos 30 sem o ópio, dos 40 sem morfina, dos 50 sem álcool, dos 60 sem maconha e ácido e dos 70 sem cocaína? O que, diabos, esperar desta década esquizofrênica? O óbvio - não houve unanimidade possível nos anos 80. Cada tribo teve a sua droga. As novidades no território dos delírios químicos - um mercado já grande demais, poderoso demais para ser ignorado - foram a terrível onda do crack e a invenção das designer drugs. O crack é a cocaína ao alcance de todos: batata, concentrada, violenta devoradora de células cerebrais, com excelente relação custo/benefício no próspero mercado administrado pelo Cartel de Medélin, os bucaneiros do Caribe e as gangues de Washington, Los Angeles e Nova York: Para os yuppies e o pessoal da acid house, as designers drugs - o ecstasy e suas variantes MDMA, e MMDA, criadas quando a primeira entrou na lista dos entorpecentes ilegais. São criaturas de laboratório, destinadas a provocar as sensações certas: energia sem travação, sensualismo sem alucinação, uma cálida empatia sem... Bem, sem que ninguém tenha vontade de largar o emprego e formar comunidades rurais.

    ACESSÓRIOS
    Além do microcomputador, os principais acessórios da década foram o compact disc e o fax. O laser inventou uma nova maneira de escutar música que já suplantou aquele vinil primitivo. O fax diminuiu ainda mais nossa aldeia global, possibilitando a comunicação barata e instantânea enquanto as redes telemáticas não ligam todos os países. Os anos 80 também tornaram célebre um acessório que nada tem a ver com inovações eletrônicas. Voltou "à moda" a velha e boa camisinha, parceira essencial desses tempos de sexualidade pós-Aids.

    IDÉIAS
    O mundo das idéias também descobriu os encantos do showbiz. Os mais variados modismos intelectuais tiveram menos do que quinze minutos de fama. Houve filosofia para todos os gostos: descontrucionismo, revival estóico, neo-iluminismo, simulacionismo. Dois grandes superstars: Jean Baudrillard e Umberto Eco. Baudrillard foi o melhor tradutor do espírito fatal da década. Eco lançou o best-seller O Nome da Rosa, um primor de pós-modernismo.

    CULT
    Foi o nome que os anos 80 deram para a moda que não quer ser moda, que se sente superior e despreza o gosto da massa. Os jornais brasileiros levaram estas bobagens à sério e determinaram que qualquer videoclip com néon, qualquer filme com deserto, qualquer regravação de Cole Porter (seguida por uma regravação de Roberto Carlos) é o máximo do refinamento. A ladainha cult tornou insuportável até ouvir falar nos nomes de Tom Waits, Philip Glass e Win Wenders, entre outros.

    TRIBOS
    Os yuppies conviveram com neo-românticos, com góticos, com b-boys, com trashers, etc. Ninguém deteve a hegemonia do comportamento jovem e ninguém acredita mais nas proclamações de rebeldia adolescente. Os punks se institucionalizaram como cartões postais londrinos. Vivienne Westwood, a mulher que inventou as roupas dos Sex Pistols, teve um breve romance com a Fiorucci. Novas tribos? Escritores estreantes como Bret Easton Ellis, de Abaixo de Zero, Jay McInerney, de Bright Lights-Big City, e Tama Janowits, de Braves of New York, tentaram fazer a crônica jovem dos anos 80. Eles ainda não descobriram que os problemas da juventude são assuntos do passado.

    BRASIL
    Quando os anos 80 começaram, o Brasil se escandalizava com Fernando Gabeira, sua tanga de crochê lilás e suas memórias "sexo, drogas e rock´n´roll" dos anos de ditadura militar. Era o tempo em que o governo Figueiredo estava dando seus primeiros passos e a juventude, brasileira da classe média, em sua maioria, ainda percorria seu caminho de volta de Woodstock. Longo sonho. O despertar aconteceu aos poucos, com os punks (filhos de diplomatas) de Brasília, com os punks (filhos de operários) paulistas, com a Blitz detonando o sucesso comercial do rock brasileiro, com os milhões de discos vendidos pela Xuxa (e a moda Xuxa), com o hip hop/novo pagode dos subúrbios cariocas, com o desfile Guerra nas Estrelas (em 85) da Mocidade Independente. Mas nada foi tão zap, tão pós-moderno quanto a explosão dos blocos afro de Salvador, aquela mistura alucinada de Brasil, Senegal, Egito e Madagascar, aquela mixagem rítmica de samba, reggae e merengue feita só com percussão acústica.



CINEMA

    A fantasia dominou as (super) produções cinematográficas mas uma retomada de interesse pelo cinema permitiu brechas para as mais variadas tendências

    O grande cinema americano dos anos 80 foi feito por diretores ingleses que viveram um período fértil, do comercial Tony Scott (Top Gun - Ases Indomáveis) ao requintado Stephen Frears (Ligações Perigosas). À margem da badalação, o cinema independente americano germinou algumas boas sementes como Totalmente Selvagem, Arizona Nunca Mais e o "terrir" Uma Noite Alucinante. De modo geral, viveu-se uma onda de infantilização, dominada pela temática fantasiosa, cuja última conseqüência são as adaptações dos super-heróis dos quadrinhos: Batman, O Justiceiro e Watchmen são os primeiros de uma série que promete se estender pelos anos 90.
    Steven Spielberg e George Lucas cristalizaram um cinema definitivamente americano, cuja fonte de referência é a própria história cinematográfica - um cinema, diriam alguns, pós-moderno, pois citar é mais importante que (tentar) criar. Spielberg e Lucas recuperaram a noção de entretenimento no latu sensu e para isso, a técnica em si é mais do que uma virtude, é uma linguagem. Dos efeitos especiais espetaculares, que todos julgavam mortos e enterrados em 1969 com 2001 - Uma Odisséia no Espaço (de Stanley Kubrick e Douglas Trumbull), às minuciosas e precisas novas técnicas de som, luz e captação de imagens, a dupla milionária de Hollywood propôs uma cinema de imaginação, de anti-realismo, de suspensão da descrença e, em extremo, daquilo que realmente não está lá na tela. A grande estrela é mesmo o cartoon ensandecido Uma Cilada para Roger Rabbit (produzido pelo estúdio de Spielberg), o ápice da técnica de efeitos especiais que caracterizou o cinema dos anos 80, repleto de ETs camaradas e Aliens ameaçadores. A fantasia deu o tom, alimentando tanto fábulas infantis como Willow e A Lenda quanto cult movies como Blade Runner e A Marca da Pantera. Nem tudo, no entanto, foi super produção. Pouca grana e muita gosma caracterizaram a imaginação dos diretores de tripas, mortos-vivos, serras elétricas e sexo doentio - Cronenberg, Freddie Krueger e os demônios de Uma Noite Alucinante e Hellraiser (inédito no Brasil) encabeçando a lista dos enjôos da década.

    O gênero suspense também rendeu filmografia abundante, cuja maior parte não sobreviveu à memória do consumo rápido. Exceções vão para o intrincado jogo de referências de De Palma e Busca Frenética (Polanski). O noir, ressuscitado nos anos 70, produziu duas pequenas pérolas: Gosto de Sangue e Corpos Ardentes. A vertente policial foi igualmente significativa, descartável e coberta de sangue. Destaques para Os Intocáveis e Colors - As Cores da Violência.

    O rock encontrou seu tom na tela grande em U2 - Rattle and Hum, o mais bem realizado documentário sobre banda/gravação de show de uma década que se ocupou bastante com a música pop. Enquanto isso, Madonna e Sting investiram pesado em suas carreiras dramáticas.

    Na década que recusou heróis, só mesmo o impossível Indiana Jones (Harrison Ford) e o cibernético Arnold Schwarzenegger em O Exterminador do Futuro conseguiram ocupar este lugar.

    O cinema de autor não morreu nos anos 80. Jim Jarmusch, com sua estética minimal de profundas raízes na cultura pop, produziu dois dos mais instantâneos cult movies de todos os tempos: Estranhos no Paraíso e Daunbailó. O alemão Wim Wenders, o peregrino das imagens, mostrou uma Europa curvada diante da América e seus ícones em Paris, Texas.

    Hollywood ainda apostou em revivals. A ferida aberta do Vietnã foi expiada em Platoon, um filme em ritmo de aventura lavado por uma chuva de Oscar e recebeu uma versão cool em Nascido Para Matar, obras à léguas do truculento Rambo. Os épicos foram revisitados no estetizado O Último Imperador, no espetacular Ghandi e no sentimental O Império do Sol. A nostalgia dos anos 60, por outro lado, também rendeu uma onda de filmes sobre direitos civis, que aliás, contínua em curso. Destaques: Um Grito de Liberdade e Mississippi em Chamas.

    Imagens perfeitas, bem enquadradas, geralmente em tons azulados e com uma música ao fundo. A experiência publicitária dos diretores britânicos Alan Parker, Adrian Lyne e irmãos Scott transformou o cinema num show fotográfico. Mickey Rourke virou o emblema do astro fabricado por closes, num coquetel sexy-maldito com barba por fazer. Mas nem só do erotismo de 9 1/2 Semanas de Amor viveram as imagens elevadas à obra, que capturaram os olhares da década, vide o design cultuado de Blade Runner. Os franceses foram mais radicais, ao transformar fotografia em estilo cinematográfico - especialmente Luc Besson, Jean-Jacques Beineix e Leos Carax. O mestre da invenção imagética, porém, veio da escola trash do cine B americano: Francis Coppola. Seu O Fundo do Coração é um clássico do artificialismo néon. As mais belas musas lindamente fotografadas: Nastassja Kinski, Beatrice Dalle e Juliette Binoche.




Nenhum comentário:

Postar um comentário