segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Bizz número zero - Carrossel da repetição

CARROSSEL DA REPETIÇÃO

    Nos bares da vida, em entrevistas com estudantes, agências de propaganda e outros cantos, é comum que me cobrem mais qualidade e variedade nas FMs. Dizem que são alienadas, iguais e massificantes. E eu respondo: é verdade.
    Até que a Rádio Cidade introduzisse no Rio o formato jovem, a freqüência modulada era vista como um fricote tecnológico que serviria para adocicar com música de violinos a vida dos elevadores e escritórios. Foi aí que surgiu a figura do disc-jockey desimpostando a voz do rádio, falando descontraidamente para gatinhas e gatões, tocando música agitadinha. E deu certo. Afinal, não era preciso mais que isso para a juventude, asfixiada cultural e politicamente pelo regime, aquele. Era o país que tinha o dicionário do Aurélio como best seller e revista em quadrinhos liderando as vendas.
    Logo as vendas de aparelhos FM aumentaram: três-em-um, radinhos de pilha e, finalmente, o walkman. Os ecos desta agitação chegaram ao mercado publicitário e as agências descobriram o veículo ideal para vender jeans, refrigerantes e chicletes. Mas não havia dinheiro para todas e só as primeiras do ranking do todo poderoso Ibope ganhavam as verbas. Aos donos de rádios, passou a interessar somente o primeiro lugar, pouco importando as concessões para chegar ao topo da audiência. E cada vez mais as rádios são só jovens e se ouvem e se repetem, ficando cada vez mais iguais. Nunca Chacrinha esteve tão certo: Nada se cria, tudo se copia.
    Das páginas do Diário Oficial jorravam novas concessões. Afinal, quem autoriza as novas rádios é o governo, e, como FM virou bom negócio, os donos do poder descobriram que tinham uma nova moeda política. Congressistas, cabos eleitorais e puxa-sacos profissionais começaram a trocar favores por emissoras, num processo onde a competência profissional valeu muito pouco. E os novos prefixos, tocados por filhos, parentes ou aderentes, vêm engrossar o coro da mesmice.
    A chegada de novas rádios obrigou a contratação de novos profissionais. Estes somos nós: formados na marra, dando cabeçada para aprender o que é EM. As exigências que o padrão impõe são mínimas: voz bonita, um mínimo de coordenação motora para operar a parafernália e rudimentos de inglês. Português é opcional. Nos cursos universitários, o saber acadêmico ainda não destrinchou o mistério da EM. Na USP, por exemplo, ao lado de um equipamento do tempo do rádio a lenha, a bibliografia conta com um dicionário e uma apostila, ambos em inglês. Nas faculdades, se cultua a deusa rádio alternativa, que permitiria aos fiéis a suprema graça de tocar no ar os discos favoritos levados de casa.
    As tentativas de se fazer FM fora dos padrões vigentes, geralmente bem intencionadas, esbarram em muito amadorismo, imediatismo dos donos e má vontade da mídia. Estas rádios novas e necessárias são hoje como aquele enviado dos céus: muito esperadas mas pouco acreditadas. Neste cenário, as gravadoras se ocupam quase exclusivamente em fornecer matéria-prima para o consumo das rádios jovens. Deram um banho de estúdio em seus contratados, para que as gravações brasileiras tivessem o padrão sonoro das americanas. A paranóia de ser executado em EM chegou a produtores e artistas, que passaram a se guiar por padrões cada vez menos estéticos e mais de consumo. Quando se descobre ou importa um truque que dá certo, ele prolífera. Arranjos de Lincom Olivetti, solos de sax soprano, batida de Lynndrums, baixo à la Police são alguns acessórios que, em diferentes épocas, eram quase obrigatórios.
    Para garantir seus investimentos, as gravadoras sofisticaram a prática do jabaculê, e hoje, ao invés do presente ou dinheirinho para o programador, acontecem elegantes trocas de favores entre empresas. E o jabaculê de colarinho branco.
    Mas nem tudo está perdido para os descontentes. A tão sonhada diversificação começa a amadurecer. Não dá para sentir no dial, onde as músicas continuam se repetindo de uma rádio para outra. Mas os primeiros sinais surgem no horizonte. O número de ouvintes de EM está caindo em praças como São Paulo e logo vai ser um bom negócio atrair este público com outro tipo de programação. Vai ser necessário investimento e competência das emissoras, dedicação dos profissionais, paciência do público, visão e trabalho das agências, mas pode dar certo.
    Do governo, só se pede que profissionalize a concessão de emissoras e que fiscalize a atuação das que estão na praça, não com censura (pelo amor de1Deus), mas fazendo com que seja mantido o caráter de serviço público que as rádios têm. Afinal de contas, a idéia original era de que o rádio deveria servir à comunidade com formação, informação e, claro, lazer, e não virar uma caixa registradora.
    Se isso começar a acontecer, quem sabe, em algum tempo, os heavies possam escutar seus rocks sem interferência de Simone, os moderninhos possam curtir Kid Abelha em paz, quem já passou da idade de ouvir Metrô possa curtir em paz seu Manhattan Transfer e quem goste de samba não precise ouvir sintetizadores. Democraticamente, o que é muito melhor.
   
    Serginho Leite, 28 e 10 meses, é músico, compositor, humorista e está em FM há cinco anos porque gosta. Trabalhou na Rádio Cidade, Jovem Pan 2 e hoje está na Globo FM.

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