O NOVO ROCK ALEMÃO
UM ASSOMBRO NA BIENAL DE PARIS
A noite de 14 de abril no Grande Halle de la Villete, apesar de aberta pelo grupo húngaro Bizottság, valeu mesmo pela participação das bandas que representavam a Alemanha Ocidental, La Loora e Me & the Heat.
Até aí, nada de novo. Há uma década atrás, superest relas anglo-americanas esperavam pelo golpe de misericórdia punk e a maioria preferia rebolar em ritmo bate-estaca nos salões espelhados das discotheques. Enquanto isso, a Alemanha agarrava o rock pelas orelhas para fazê-lo dar um, dois, três passos à frente, O Kraftwerk enxugava seus devaneios de Pink Floyd teutônico: em nome dos quadris, Lançou as bases do tecnopop. O Can explorava colagens com vôos instrumentais jazzísticos, também sem perder de vista o dançante espírito de época. Enquanto o Faust partia minimalista para a música das esferas, o Neu prefigurava o tecnopunk com a cara de pau de, em pleno 73, imprimir uma capa em roxo e verde-limão. Vanguarda, na Alemanha, 1á é tradição. Quem pegou a excursão brasileira do Cassiber, no ano passado, sabe. E na linha de frente do pop radical está o grupo Einsterzende Neubaten (tradução aproximada: Prédios Novos Desabantes) que monta seus instrumentos a partir de sucata.
Quem veio ao gigantesco pavilhão onde está agora a Bienal de Paris, o antigo matadouro municipal, deveria, portanto, saber esperar pelo inesperado. E o show do La Loora começa justamente em clima de deixar todas as expectativas no ar.
Em ambos os cantos do palco, cerca de três metros acima, dois telões projetam à contra luz rasgos e rasgos de cor. Do grupo, só vemos por enquanto a silhueta do baterista, munido apenas de chimbau, caixa e pratos - o resto fica por conta de um computador rítmico. Agora a cantora está à direita e já dá para ver o guitarrista e o tecladista fazendo soar seus instrumentos - pelo som, aliás, deveria haver pelo menos mais dez instrumentistas no palco. Ou seja, em algum canto de toda a parafernália eletrônica, seqüênciadores e sintetizadores programados estão tocando sozinhos, enquanto bombardeios e outras cenas da Segunda Guerra tomam os telões.
Fora as vaias do pequeno número de punks que habita a platéia, todos estão hipnotizados. Criado em 81, o La Loora funde, de forma dançante mais refinada e curiosa, rock, jazz, swing e pop, com a intenção deliberada de, nas palavras do próprio grupo (com quem conversei após o show), estimular o ouvinte. Com provocações sonoras e visuais diretas - o que nos interessa é o palco, não o estúdio", afirma Doktor.
Tanto que a formação da banda inclui, além de Doktor (sax/teclados), Hoffman (bateria), Split (voz/teclados), Florence (voz) e Amandowicz (guitarra), o operador de vídeo Gramming. Por trás de som e imagem, um projeto ambicioso:
"Nossos faros vanguardistas são precisos. Música, pop e música experimental são duas coisas diferentes. Reunir esses dois pólos extremos é nosso dever, acrescenta Doktor.
Eco das garrafas
Mas o melhor ainda estava por vir. Centrado na figura maníaca, quase epiléptica de seu cantor e mentor intelectual, Tom Mega, o Me & the Heat deixou os franceses com o queixo no colo.
Além da voz, Mega usa como instrumento uma lata de lixo toda amassada, cheia de garrafas, com um microfone preso à boca com fita crepe e ligado a uma câmera de eco. Sobre as límpidas bases do quarteto que o acompanha - Bernard Krämer (trompete), Achim Grebin (bateria), Nico Hesselbach (teclados/flauta) e Reinhard Falk (baixo) -, uma espécie de cotagem Police com Mies Davis, o cantor vai quebrando as garrafas, espalhando cacos de vidros por todo o palco, para depois se atirar sobre eles até sangrar. O resultado sonoro é de arrepiar a nuca. No fim a autoflagelação convive com arranjos elaborados, colocando o show dentro de uma linha de pesquisa e música performática que ultrapassa a instabilidade do rock atual. Alemão até o caroço, Tom Mega fala como um punk erudito, ou um novo bárbaro com uma base teórica.
"As culturas de tecnologia avançada necessitam de formas de expressão arcaicas e bárbaras mesmo na fase de seu declínio, ou justamente por causa dele. Mas dentro dessa forma de expressão, para que possamos ter alguma chance de fazer sucesso, é indispensável ter à disposição uma técnica perfeita.
Nada mal para uma simples noite de domingo.
A noite de 14 de abril no Grande Halle de la Villete, apesar de aberta pelo grupo húngaro Bizottság, valeu mesmo pela participação das bandas que representavam a Alemanha Ocidental, La Loora e Me & the Heat.
Até aí, nada de novo. Há uma década atrás, superest relas anglo-americanas esperavam pelo golpe de misericórdia punk e a maioria preferia rebolar em ritmo bate-estaca nos salões espelhados das discotheques. Enquanto isso, a Alemanha agarrava o rock pelas orelhas para fazê-lo dar um, dois, três passos à frente, O Kraftwerk enxugava seus devaneios de Pink Floyd teutônico: em nome dos quadris, Lançou as bases do tecnopop. O Can explorava colagens com vôos instrumentais jazzísticos, também sem perder de vista o dançante espírito de época. Enquanto o Faust partia minimalista para a música das esferas, o Neu prefigurava o tecnopunk com a cara de pau de, em pleno 73, imprimir uma capa em roxo e verde-limão. Vanguarda, na Alemanha, 1á é tradição. Quem pegou a excursão brasileira do Cassiber, no ano passado, sabe. E na linha de frente do pop radical está o grupo Einsterzende Neubaten (tradução aproximada: Prédios Novos Desabantes) que monta seus instrumentos a partir de sucata.
Quem veio ao gigantesco pavilhão onde está agora a Bienal de Paris, o antigo matadouro municipal, deveria, portanto, saber esperar pelo inesperado. E o show do La Loora começa justamente em clima de deixar todas as expectativas no ar.
Em ambos os cantos do palco, cerca de três metros acima, dois telões projetam à contra luz rasgos e rasgos de cor. Do grupo, só vemos por enquanto a silhueta do baterista, munido apenas de chimbau, caixa e pratos - o resto fica por conta de um computador rítmico. Agora a cantora está à direita e já dá para ver o guitarrista e o tecladista fazendo soar seus instrumentos - pelo som, aliás, deveria haver pelo menos mais dez instrumentistas no palco. Ou seja, em algum canto de toda a parafernália eletrônica, seqüênciadores e sintetizadores programados estão tocando sozinhos, enquanto bombardeios e outras cenas da Segunda Guerra tomam os telões.
Fora as vaias do pequeno número de punks que habita a platéia, todos estão hipnotizados. Criado em 81, o La Loora funde, de forma dançante mais refinada e curiosa, rock, jazz, swing e pop, com a intenção deliberada de, nas palavras do próprio grupo (com quem conversei após o show), estimular o ouvinte. Com provocações sonoras e visuais diretas - o que nos interessa é o palco, não o estúdio", afirma Doktor.
Tanto que a formação da banda inclui, além de Doktor (sax/teclados), Hoffman (bateria), Split (voz/teclados), Florence (voz) e Amandowicz (guitarra), o operador de vídeo Gramming. Por trás de som e imagem, um projeto ambicioso:
"Nossos faros vanguardistas são precisos. Música, pop e música experimental são duas coisas diferentes. Reunir esses dois pólos extremos é nosso dever, acrescenta Doktor.
Eco das garrafas
Mas o melhor ainda estava por vir. Centrado na figura maníaca, quase epiléptica de seu cantor e mentor intelectual, Tom Mega, o Me & the Heat deixou os franceses com o queixo no colo.
Além da voz, Mega usa como instrumento uma lata de lixo toda amassada, cheia de garrafas, com um microfone preso à boca com fita crepe e ligado a uma câmera de eco. Sobre as límpidas bases do quarteto que o acompanha - Bernard Krämer (trompete), Achim Grebin (bateria), Nico Hesselbach (teclados/flauta) e Reinhard Falk (baixo) -, uma espécie de cotagem Police com Mies Davis, o cantor vai quebrando as garrafas, espalhando cacos de vidros por todo o palco, para depois se atirar sobre eles até sangrar. O resultado sonoro é de arrepiar a nuca. No fim a autoflagelação convive com arranjos elaborados, colocando o show dentro de uma linha de pesquisa e música performática que ultrapassa a instabilidade do rock atual. Alemão até o caroço, Tom Mega fala como um punk erudito, ou um novo bárbaro com uma base teórica.
"As culturas de tecnologia avançada necessitam de formas de expressão arcaicas e bárbaras mesmo na fase de seu declínio, ou justamente por causa dele. Mas dentro dessa forma de expressão, para que possamos ter alguma chance de fazer sucesso, é indispensável ter à disposição uma técnica perfeita.
Nada mal para uma simples noite de domingo.
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