quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Bizz número 1 - Gil

GIL

    Gil não cabe mais no Brasil. O que é apenas natural. Embora permeado pelos regionalismos nacionais que formam os alicerces de sua obra, Gil é cidadão do mundo. Suas referências atuais englobam as Américas, a África, a Europa e a Ásia. E, portanto, hoje sua música tem tudo a ver com o mundo inteiro.
    Em junho passado, ele comemorou seus 43 anos no meio de uma excursão que o levou ao México, a três cidades norte-americanas -Boston, Washington D.C. (a maior população negra dos EUA) e Nova York - e à Europa. Foi talvez o primeiro grande amadurecimento de uma carreira internacional que vem sendo desenvolvida há oito anos e que agora, com o lançamento americano do disco Raça Humana, começa a atingir o ponto de maturação.
    Às vésperas de seu show no Carnegie Hall, em Nova York, Gil recebeu Marco Antonio de Menezes, nosso correspondente nos EUA, no Sounds of Brazil, uma casa noturna especializada em música latino-africana que serviu de local de ensaio.
    Dias antes, em Washington, Stevie Wonder havia subido no palco para cantar e tocar gaita em No Woman, No Cry com Gil. E a euforia daquele encontro de duas faces da cultura negra mundial ainda era fresquinha. E indisfarçável.
    "Ele tá lindo", disse Gil. "Ele tá muito interessante, com um sentimento muito fresh, Parece até uma involuntária autodefinição. Afinal, Gil exala um constante frescor. E cada vez mais, principalmente desde que redescobriu a África e, através dela, a Jamaica - passando a sublinhar em música a negritude de sua pele.
    Na época em que morei em Londres", recorda Gil, havia muitos grupos africanos, e a atração dos músicos brancos pelos áfrica nos era grande. Havia um conjunto só de negros da Nigéria chamado Osibisa, que já influenciava muito a coisa inglesa. O ex-baterista do Cream, Ginger Baker, mudou-se para Lagos, na Nigéria, montou um estúdio e ficou morando lá uns dez anos. Em 74 Paul McCartney foi gravar um disco, Band on the Run, na África. Talvez isso tenha acontecido porque a colonização inglesa foi tão braba que. na época da descolonização, eles absorveram coisas que se tornaram simpáticas. E, como a população negra em Londres acabou crescendo muito, isso resultou num processo sócio-cultural que provocou urna aproximação muito grande com a África.

    Mesmo se interessando pela mescla cultural, Gil prefere ´´preservar esta coisa negra". Porque. como diz, de certa forma está ´´racial, cultural e nacionalmente ligado a isso, por uma questão de ser brasileiro, negro. mulato, baiano". Ele acha que ainda há "nativos, digamos. uma cultura nativa ainda não totalmente absorvida e digerida pelo internacionalismo estandardizante. abrangente. Ainda há culturas que, graças a Deus, acabaram tendo uma capacidade de autodesenvolvimento localizado. Então, eu fico buscando. no mundo, o que está se passando em Cuba, na Jamaica, na Nigéria. em Angola, no Brasil".

    Paris no verão. É a temporada dos grandes festivais europeus. E Gil está lá, conforme explica ao correspondente europeu de BIZZ, Silvano Michelino, fazendo urna política de acordo com essa visão de mercado moderno - a presença através dos vários canais de apoio, como discos, imprensa, voltando todo ano, fazendo festivais.
    "E a música brasileira tem sido muito bem recebida em todos os lugares", conta Gil. Não só por suas características folclóricas, tradicionais como o samba - como também pelas presenças alternativas. como bossa nova, e o pop mais moderno: "O que falta é o país ser suficientemente forte na área econômica e comercial para poder ter maior presença".
    O resultado é diferente do obtido com trabalhos como o de Sérgio Mendes, ou o "de músicos que vão morar no exterior, se adaptam e se reciclam em função de uma demanda estética mais americana". Hoje os artistas saem do Brasil e voltam: "Agora é uma troca, com o produto brasileiro gerado lá no Brasil saindo para o mundo. E uma fase diferente da bossa nova, por exemplo, cujo marketing foi feito por padrinhos do jazz, como Stari Getz. No nosso caso - o de Caetano, Milton, Jorge Ben - não temos padrinhos locais".
    O ânimo de Gil parece o de um garoto principiante, cheio de gás e com fome de futuro. Não fossem seus vinte anos de carreira, o entusiasmo de Gil caberia justinho num dos artistas brasileiros que mais admira: Herbert Vianna. dos Paralamas do Sucesso.
    "Ele toca bem, compõe bem, é bem situado na coisa da história da música dele. Se liga com muito carinho. com muita devoção, aos mestres. E um menino atento, que ouve e entende o que há de bonito e interessante na música africana e jamaicana. Os Paralamas são um avanção e o Herbert tem competência e compenetração para realizar muito. E eu vou chegando pra ´de junto´, porque quero envelhecer garoto."

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