sábado, 18 de setembro de 2010

Bizz número 2 - A moçada da URSS / Blitz no Bolshoi

 
A MOÇADA DA URSS

    Árvores. Esta é a impressão mais forte que se tem quando se chega em Moscou, principalmente para quem mora numa cidade como São Paulo. Jardins, parques, bosques, e as pessoas moram em prédios baixos, cercados de árvores plantadas por elas mesmas.
    Na rua, talvez a maior surpresa seja o fato de que os russos são superfalantes e curiosos. Querem saber de tudo o que está acontecendo por aí. Estão, é lógico, com as informações bem atrasadas a respeito do Brasil. O que mais me perguntaram foi a respeito do paradeiro do Pelé.
    Moscou se preparou um ano para o Festival da Juventude. O último tinha sido realizado em 1978 em Cuba. E neste o lema era "Pela Solidariedade Anti-Imperialista, a Paz e a Amizade". Vinte mil participantes de 150 países tomaram as ruas da capital soviética, perambulando por dias de verão com credenciais coloridas no pescoço.
    O Festival foi uma festa-propaganda do regime, mas a programação cultural foi infindável: teatro, cinema, dança, pintura, escultura, circo, esporte, música erudita e popular, viagens pelas repúblicas etc. Tudo isso transmitido sem interrupções pela poderosa Gosteleradio, a TV estatal soviética. Sem ironia alguma, poderíamos falar numa hiperbem-organizada gincana escolar multinacional. A Praça Vermelha, depois que escurecia, lá pelas onze da noite, se transformava numa Babel performática, tipo a praça em frente ao Beaubourg de Paris ou o Central Park em Nova York. Inacreditável.
    Fiquei sabendo que durante o Festival a cidade foi saneada de seus tipos mais exóticos e alternativos. O policiamento era intenso mas discreto. Foi decretada uma Lei Seca para os soviéticos, mas os estrangeiros podiam biritar à vontade comprando em dólar nas berioskas para turistas.

    Som Clandestino
    Aconteceram dois grandes concertos de rock nos dias 29 e 31 de julho no estádio Dínamo, num subúrbio cercado por bosques de bétulas. Nas duas noites, a capacidade de oito mil lugares esteve esgotada. Um casal de apresentadores tipo anos 50 introduziu algumas ótimas bandas internacionais desconhecidas da gente e pelo menos uma ótima banda soviética, Radar, da república da Estônia.
    Numa entrevista exclusiva, os cinco sorridentes integrantes da Radar contaram que começaram em 80, comprando instrumentos de músicos de fora que pintaram por aqui. Só conseguiram gravar um disco com seis mil cópias. Disseram que não existe o marketing necessário para a indústria de rock, mas prevêem uma nova direção com o surgimento de bandas como a Arsenal, de Moscou. A Radar executa um jazz rock de alta competência técnica, com bateria Tama, guitarras Gibson, baixo Ibanez e teclados Roland. E acabam se informando por estarem próximos da Finlândia.
    Tinha muita gente no camarim e eles não quiseram falar sobre os novos grupos, que se encontram aqui na ilegalidade. Dizem que bandas como Autograph são muito normais e que dezenas de grupos ensaiam na clandestinidade, gravando em cassetes que circulam de mão em mão. Este caráter de marginalidade deixa as pessoas muito curiosas. As pessoas nos paravam nas ruas querendo saber que grupos escutamos, o que pensamos do Michael Jackson... A moçadinha esperta capricha no inglês, francês ou italiano para se comunicar com os forasteiros.
    O grupo mais recente que pintou nos papos foi o Police. Mesmo assim, foi uma surpresa conhecer uns soviéticos metaleiros que conheciam Deep Purple, Scorpions e Whitesnake. As bandas encontradas nas prateleiras da loja estatal Melodia são apenas as poucas "legalizadas" .
    A mais comentada e cultuada das bandas clandestinas é a Zoo-Plast, que nos deu um tremendo cano para entrevista e fotos. Nenhum soviet-roqueiro se deixou fotografar. Tem até uns tipinhos wave, que ouvem muito rock, mas tudo muito na deles.


Blitz no Bolshoi

    Depois da quinta música, os soviéticos começaram a se soltar. E no final a banda conseguiu a incrível proeza de fazer a moçada balançar nas cadeiras e pedir bis. Foi uma das apresentações da Blitz, que pintou na primeira noite do Rock pela Paz, e em duas noites brasileiras (ecléticas, com Martinho da Vila, Geraldo Azevedo, Gonzaguinha, Joyce, Ricardo - aquele da dupla com a Teca - e Fagner).
    Bati um papo com a Blitz numa rua movimentada, em frente ao Teatro Bolshoi. Lá vai.

    BIZZ - E aí, o que vocês têm feito em Moscou?
    Evandro - Eu tenho feito uns passeios meio turistóides. Andar de metrô, Praça Vermelha, assistir a alguma coisa do Festival...

    BIZZ - E o que tem acontecido de bom no Festival?
    Evandro - Vi um espetáculo incrível de pantomima com uns palhaços holandeses. No meio desta imensa programação a gente sempre encontra algo interessante ou no mínimo exótico pra ver.
    Marcinha - Fomos ver o Bolshoi.
    Fernanda - Eu e a Deborah (Bloch) fomos ao Circo de Moscou...

    BIZZ - Vocês têm se encontrado com as bandas soviéticas.
    Evandro - Não. Colocaram a gente num hotel longe do centro, do que está acontecendo.
    Ricardo - É. Dizem até que o hotel era antes do Festival um lugar de alta rotatividade que eles limparam para a ocasião (risos gerais).
    Evandro - Mas fomos procurados pelo empresário da Time Machine, que quer nos trazer pra cá pra apresentações especiais.

    BIZZ - Como foram as apresentações de vocês no Festival?
    Evandro - Foram três. Na noite do rock pela paz tocamos com outras bandas internacionais.
    Fernanda - Pensamos que ia dar muito latino-americano na platéia mas só tinha russo. Na hora deu a maior tremedeira.
    Evandro - Nas primeiras três músicas o mais animadinho só batia o pé assim, ó.
    Marcinha - Mas depois da quinta começamos a puxar palmas. Eles foram entrando na nossa e no final parecia até o Maracanãzinho.
    Evandro - Fizemos um show bonito ao ar livre. A platéia era ainda mais estranha. Ficavam uns quinze garotos em pé na frente dançando, umas crianças de bochechões rosados trazendo flores no palco, e uma multidão mais velha paradona atrás, só aplaudindo. Não acreditaram nas nossas roupas coloridas.

    BIZZ - As meninas já conheceram algum soviético de perto?
    Fernanda - Ah, eles são muito tímidos... 
    Marcinha - Mas são uns anjinhos. Adoro os guardinhas, todos certinhos, de bochechinhas cor-de-rosa, pele lisinha...

    BIZZ - O pessoal daqui transa drogas?
    Evandro - Soube que deram uma limpada na cidade por causa do Festival. Eles sabem de tudo. Quem é estranho, quem é diferente sofreu marcação cerrada. Mesmo assim deu pra fazer umas trocas... - cordas de guitarras por discos, roupas por souvenirs soviéticos...

    BIZZ - A Blitz arrasou aqui?
    Evandro - Fomos bem aceitos. Foi incrível o último concerto dos brasileiros, reprisado a pedido de outras delegações. É uma sensação indescritível ouvir A Dois Passos do Paraíso ou Ridícula tocando no rádio aqui do outro lado do mundo.

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