terça-feira, 7 de setembro de 2010

Bizz número 1 - Sting - Solo e bem acompanhado

SOLO E BEM ACOMPANHADO

    Paris, 29 de maio. Aqui Sting e sua superbanda dão o pontapé inicial para a excursão mundial que promove o LP The Dream of the Blue Turtles. E nada mais curioso que a fila para compra de ingressos em frente ao Teatro Mogador.
    Muita garotada, claro, mais rastas, discípulos de Rajneesh, turistas, intelectuais franceses apreciadores de jazz. Das mais coloridas cabeleiras a casais que assistiram ao surgimento dos Beatles.
    Sting escolheu a capital francesa justamente por ser um campo neutro. "Vir para cá foi um risco, eu não sabia qual seria a resposta do público, mas estou contentíssimo, eles são sofisticados e inteligentes", diria ele na entrevista coletiva.
    Com a casa cheia, o show começa pontualmente às nove. O cenário se compõe de hollywoodianas escadarias da largura do palco que sobem até um fundo infinito. Em cima ficam os teclados de Kenny Kirkland e as duas baterias (uma eletrônica) de Omar Hakim, aquele mesmo do Weather Report e que toca em Let´s Dance de Mr. Bowie. Para completar o visual, uma iluminação do mais alto nível. Fachos fragmentados multidirecionais e círculos em todas as cores, sem cair em recursos manjados como gelo seco e o frenético liga-desliga.
    Mas o que rolou mesmo foi o som. Quando Sting diz que escolheu os melhores, trata-se da mais pura verdade. A fluência e facilidade desses músicos de passarem de funk para uma balada, de um reggae no mais tradicional estilo Marley a um blues sem harmonia de blues, deixa evidente sua competência e conhecimento de causa. Com o baixo nas mãos de Darrell Jones (da banda de Miles Davis), Sting agora ataca na guitarra. Paletó folgado, meio amassado, e cabelos despenteados, ele tem seu vocal sustentado com perfeição pelas garotas do backing, Janice Pendarvis e Dolette McDonald (que já cantou com os Talking Heads). Coroando tudo, as rítmicas e inventivas intervenções de um dos maiores sax do planeta, o sr. Branford Marsalis (ver entrevista na pág. 30).
    A massa sonora resultante desse encontro pop-jazz é da mais elegante economia, com uma cozinha rica e fervilhante, de mexer até com canelas francesas. Nas letras, todo aquele emaranhado de psicologia, misticismo e mil citações dos últimos LPs do Police deu lugar a preocupações políticas mais objetivas. "Russians, por exemplo, fala da tensão Leste-Oeste com versos como ´espero que os russos amem seus filhos" - um verso ridicularizado para valer em um dos únicos malhos recebidos até agora pelo LP, o do crítico Robert Christgau, do semanário nova-iorquino Village Voice. Já "Children´s Crusade" vai pescar no fundo do baú da História o comércio de crianças como escravos praticado por frades do século onze.
 

    Sting diz que largou o baixo por causa de Darrell Jones, mas também não deixou barato: no final do show, ele faz um belo solo em seu rabecão elétrico. Seja como for, todo o potencial de Sting fora do Police fica claro no quinto bis. Isso mesmo. O rapaz teve de voltar ao palco cinco vezes. É aí que a noitada termina: sozinho com a guitarra, Sting bota o teatro inteiro para cantar o refrão de "Message in a Bottle".
    Do show à entrevista coletiva, desde os primeiros passos para a formação da banda, tudo isso está sendo filmado sob a direção do cineasta Michael Apted. "A maioria dos filmes de rock é feita após o fim dos grupos, ou então em sua fase de maior sucesso. A originalidade deste filme é mostrar justamente o nascimento da banda", diz Sting na coletiva.
    Um nascimento pouco comum. No final do ano passado, Sting recebeu em Londres a visita de um de seus melhores amigos, Vic Garbarini, ex-editor executivo da revista americana Musician. Pela primeira vez, então, o loiro policeano falou na idéia de montar uma banda com músicos de jazz: "Quem sabe eu dou para você um cheque em branco e você convoca os músicos para mim?"
    Garbarini só parou de pensar que era uma brincadeira quando, de volta a Nova York, recebeu um telefonema confirmando a proposta.
    Os músicos escolhidos por Garbarini tinham uma reputação tão alta no meio jazzista que Sting achou ridículo submetê-los a testes. A seleção veio através de workshops, ou "seminários", que começaram com os músicos improvisando sobre canções do Police e escutando as fitas-piloto que Sting trouxe de Londres. No fim das contas, não houve propriamente uma escolha. Garbarini convocou de cara os instrumentistas adequados, Sting aprovou todos e também foi aprovado por eles.
    Só uma pessoa resmungou: Wynton Marsalis, irmão de Branford e parceiro de Kirkland, para quem o jazz é uma religião que exige estudo diário de teoria musical e uma boa distância do universo pop ao qual pertence Sting. Acontece que o LP The Dream of the Blue Turtles representa, de certa forma, uma volta às origens. Já faz parte do folclore roqueiro que Sting foi pescado por Stewart Copeland quando tocava baixo para a banda de jazz Last Exit.
    Encerrado o giro pela Europa, Sting falou a BIZZ sobre o LP e o Police, numa entrevista recolhida no final de junho em Nova York. Pergunta número um: de onde vem esse esdrúxulo título, "O Sonho das Tartarugas Azuis"?
    "Bem, há uns três anos eu fiz psicanálise segundo o método de Jung, que encoraja a pessoa a usar seus sonhos de uma maneira criativa. A pessoa pode escrever seus sonhos, ou pintar ou desenhar. No meu caso, a forma de expressão é a música. E eu tive este sonho com tartarugas azuis que entravam no meu jardim e destruíam tudo. Mas era um sonho muito positivo, muito alegre. E eu analisei o sonho da seguinte forma: as quatro tartarugas azuis eram os quatro músicos da minha banda. São jovens músicos negros, de jazz, que estavam destruindo minha fórmula fácil e confortável de fazer música. Quando revolviam a terra, estavam tomando o solo fértil mais uma vez.
    Para os fãs assombrados pela hipótese do fim do Police, uma declaração tranqüilizante. "Não dissolvemos a banda, estamos é concentrados em nossos projetos individuais", diz, antes de acrescentar que tem acompanhado os últimos trabalhos individuais de Andy Summers e Stewart Copeland - respectivamente a trilha sonora para 2010 e o LP The Rhythmatist ("muito charmoso", na opinião de Sting).
    Lembrando dos shows do Police aqui no Rio, no início de 82, ele se deixa empolgar: ´Foi um grande momento, nunca me diverti tanto. Fiquei sabendo que vai haver outro grande festival no Brasil e vou fazer de tudo para tocar nessa festa".
    Enquanto isso, sua carreira de ator vai muito bem, obrigado. Sting aguarda agora o lançamento de The Bride- uma versão da A Noiva de Frankenstein - e Plenty´, onde trabalha ao lado de Meryl Streep.
    E todas aquelas preocupações existenciais que povoaram suas letras? "Na verdade, acho muito difícil encaixar idéias filosóficas em canções pop, mas o que me interessa são as idéias. Este, portanto, é um desafio a enfrentar."

Branford Marsalis, um sax do além

    "Meu estilo pode ser definido como o sax tocado por um baterista´, quer dizer, com nuances e estruturas rítmicas muito além do bebop." E o que diz Branford Marsalis, talvez a principal fera do time de jazzistas escolhido por Sting.
    Quando criança, Marsalis queria mesmo era tocar bateria. Hoje, aos 24 anos, ele e seu irmão trompetista Wynton são considerados gênios da nova safra de músicos americanos.
    "O que o Sting está fazendo é trazer a música de volta para o pop, porque atualmente ela está morta", foi uma das declarações de Branford no ligeiro papo que tivemos em Montreux (ver a matéria da pág. 16).
    "A base do que estamos fazendo é rock, pop Mas improvisamos muito a ponto de mudar a harmonia de uma música de um show para o outro. Mesmo no disco, tudo ia mudando a medida que estávamos tocando .Sempre que temos uma idéia nova estamos livres para executá-la. E isso e muito raro no trato dos cantores com seus músicos. Eu gosto demais desse projeto."
    E o Sting? "Um dos melhores músicos que eu conheço, tem ouvido e, quando não conhece algo, pára para aprender e depois usar."

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