terça-feira, 7 de setembro de 2010

Bizz número 1 - Para os fãs ele é Bruuuce!

 
PARA OS FÃS ELE É BRUUUCE!

    1974
    Ao que tudo indica, o rock estava morrendo. e rápido. A rebeldia, a fúria e o fogo do rock - a sua própria essência - haviam sucumbido a um vírus de complacência, cinismo e esnobismo que contaminara seus pais fundadores. Já não era mais possível haver qualquer identificação entre a garotada e a musica e vida de artistas mais ocupados com suas contas bancarias e suas garrafas de champanhe do que com a emoção e a forca de um simples acorde de blues.

    Os Rolling Stones e Rod Stewart preferiam frequentar as colunas sociais a aparecer nas revistas de música. Princesas e famosos herdeiros de grandes corporações eram elevados à esdrúxula categoria de tietes de luxo. O rock daquele tempo era um triste circo de exibicionistas, um interminável desfile de limusines, jatos e starlets. Podia ser tudo, menos aquilo a que o rock se propusera no passado: libertação, juventude e esperança. Não havia mais futuro.
    Na primavera de 74, o crítico norte-americano Jon Landau remoía dolorosamente estes sentimentos de desilusão com o rock. E o fato daquele 9 de maio marcar seu 27: aniversário não melhorava em nada a situação. Landau sentia-se velho e traído. Mesmo assim, juntou suas forças e arrastou-se para o Harvard Square Theatre, em Boston, certo de que lá também acabaria achando mais alimento para sua amargura. Mal sabia que naquela noite teria uma Revelação. No palco do teatro, a E Street Band, um grupo desconhecido do tão demodê estado de Nova Jérsei, parecia especialmente determinada a fazer Landau engolir sua própria desilusão. Lá estava a música que Jon aprendera a amar, devolvida ao público com uma vingança - era musculosa, explosiva, intensa e sincera. Lá estava, de novo, o rock and roll; ou melhor, toda a história dc rock, rugindo na voz do líder da E Street Band. um cara franzino e elétrico de nome Bruce Springsteen. Landau saiu do teatro com a certeza de ter vivido uma anunciação divina e sumarizou estes sentimentos na sua coluna de despedida do jornal Real Paper: Eu vi o futuro do rock. Seu nome é Bruce Springsteen".
 

    Graças a Landau, do dia para a noite Bruce passou de ´o segredo mais bem guardado da costa leste americana" a celebridade nacional. Capa das revistas Time e Newsweek na mesma semana e preferido da crítica por causa do álbum Born to Run - produzido por Landau, que mais tarde também viraria seu empresário - Bruce começou a ser citado nas revistas especializadas com a mesma reverência dedicada a artistas como Bob Dylan e John Lennon.
    Muita gente, contudo, torceu o nariz para a repentina ascensão de Bruce ao panteão do rock. Os grandes culpados por esta reação negativa foram a própria gravadora de Bruce a CBS - e indiretamente, Jon Landau. A frase sobre ´o futuro do rock" foi transformada em campanha promocional de Born to Run e Bruce passou a ser anunciado como o novo Bob Dylan". Para se enxergar o real significado de Springsteen por detrás dessa grossa muralha de exagero e desinformação foi preciso muito pouco, na verdade.
    Bastou que Bruce caísse na estrada e iniciasse uma série de álbuns clássicos para que se transformasse no melhor espécime-rock que a América tinha a oferecer. E o seu mais verdadeiro.
    Desde então os shows de Bruce e a E Street Band são maratonas de quatro horas de duração - às vezes, mais - que começam e terminam sob coros ardorosos de BRUUUUUUUUUUCE!

    Ao vivo, Springsteen e banda tocam com tamanha intensidade que cada show parece o último de sua vida. E uma usina poderosíssima que atravessou os anos praticamente intacta: o baterista Max Weinberg. o pianista Roy Bittan. o haixista Garry Talent. o tecladista Danny Federici. o saxotonista Clarence Clemons e. a nova aquisição. o guitarrista Nils Lofgren que entrou no lugar do veterano Steve Van Zandt.
    Em disco. Bruce Springsteen e uma verdadeira enciclopédia de rock. Através de sete álbuns, ele construiu uma obra tão sólida e tão representativa da cultura norte-americana quanto os mais clássicos autores de todos os tempos. Suas canções reabilitam a simplicidade e a sinceridade do rock falando de coisas reais. iluminando o dia-a-dia com histórias sobre desemprego. amor, carros envenenados. prisioneiros e sonhadores.
    Mas o principal atributo de Bruce talvez seja sua humildade: ou melhor, a perspectiva clara que mantém sobre si mesmo, sua carreira e seu público. Embora tenha sido apelidado há anos de The Boss (O Chefão), Bruce permanece o mesmo garotão boa-praça do interior de Nova Jérsei que pula pro meio da platéia durante os shows e canta suas musicas abraçando (ou no colo de) seus fãs. Mesmo que ele seja capaz de roubar o show de qualquer superestrela, Bruce continua sendo o moleque cujo grande amor sempre foi o rock and roll.
    O Bruce Springsteen, que se tornou a estreia máxima do disco e do clip "We Are the World" pela mera força de um curto solo, não difere muito do meninote cuja primeira namorada foi um violão de 18 dólares dado pelo pai motorista de ônibus na abatida cidade de Freenold em Nova Jérsei.
    O Bruce capaz de vender mais de seis milhões de cópias de seu novo álbum, Roma ia the USA., é basicamente o mesmo que grudava os ouvidos no rádio de sua casa para aumentar o repertório das muitas bandas que formou durante sua adolescência - The Castiles, Steel Mill e Dr. Zoom and the Sonic Boom são algumas de suas criações. Não importa que Bruce seja um seguro campeão de bilheteria - seus dois últimos shows no estádio de Wembley, na Inglaterra, ocasionaram uma avalanche inédita de mais de um milhão de pedidos de ingressos. Ele faz cada show como se fosse o único de sua vida e faz com que cada pessoa do público sinta-se como se aquele show estivesse sendo feito exclusivamente para ela. Se existe um tal de "verdadeiro espírito do rock and roll", talvez ele realmente se chame Bruce Springsteen.
    1985. Foram adicionados músculos ao antigo visual magriço. Antes um quase rumor, ele hoje é uma unanimidade nacional. Springsteen atingiu um nível de sucesso comercial e prestígio crítico tamanho que foi promovido a símbolo americano, tão venerado quanto um John Wayne, tão respeitado quanto um Gershwin. Esqueça Prince, esqueça Michael Jackson, esqueça Madonna - para citar apenas três estrelas de magnitude máxima na constelação-rock norte-americana. Bruce não é apenas um astro - durante a campanha presidencial do ano passado, o presidente dos EUA, Ronald Reagan, usou frases de Springsteen para consubstanciar sua retórica eleitoral (e, mais tarde, foi desautorizado pelo próprio Chefão). Bruce não é apenas um mito - os mitos são bonecos inacessíveis, irreais, maiores do que a própria vida, enquanto Bruce faz questão de continuar sendo um cara como qualquer outro, ligado a seu público e à sua comunidade (até hoje é comum vê-lo pintar de surpresa num clubinho míxuruca e tocar de graça por simples prazer).
    Mais do que um artista de rock, Bruce é o último herói americano.

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